sexta-feira, 28 de dezembro de 2018

Sobre o racismo e machismo da velha imprensa piauiense

Desserviço criado pelo cartunista Jota A, divulgado hoje no Jornal O Dia


 
Tivemos que abrir um jornal e ver isso hoje. Se nós estivéssemos vivendo num mundo coerente, seria óbvio que a divulgação de uma tirinha de quinta categoria como essa seria inaceitável para circular em um meio de comunicação estadual. Porém, em ano que se elegeu Bolsonaro, eu não me surpreendo mais com a liberdade que as pessoas têm hoje em dia de serem tóxicas, sem vergonha alguma de mostrarem seus preconceitos mais ultrapassados. Direitos humanos para humanos direitos, sendo que direito é só quem se alinha com o pensamento direitista.


Por não ser mais óbvio, vou me dar o trabalho de explicar porque esse cartum é racista e machista. Primeiro, realmente deveria existir cotas para tudo, porque se nem na ficção é admissível para um casal branco ter um filho negro, imagine como é aqui fora (vou tratar da parte da “traição” a seguir). Cotas são uma forma de dar uma chance ao povo negro numa sociedade racista, que reproduz esse tipo de pensamento desse cartunista de pensamento medieval. Dizer que todos têm chances iguais é ilusório. É só olhar quem está nos cargos de poder na política, na imprensa, no direito, nos negócios. Maioria gritante branca. E os negros, indígenas e outras raças que chegam a cargos assim dificilmente lutam contra o racismo, negando completamente suas raízes. Senão só vende sua cultura de forma oportunista e preconceituosa, como quem fez esse cartum, que também é miscigenado. Ou como nosso querido governador indígena adora fazer. Um índio* pra branco ver.


Num país de maioria negra, é no mínimo engraçado ver uma tirinha que supõe que o negro tem que pedir licença pra nascer. Por cota. Só mostra que o pensamento branco é o que domina, sendo reproduzindo pelas minorias que sempre se diminuem ao papel de quem está ali de favor. Vai ser muito difícil escurecer esse estado e esse país, se nós continuarmos a deixar esses absurdos passarem sem o repúdio que merecem. E em um país tão miscigenado, é possível, sim, que duas pessoas brancas tenham um filho negro. Pode puxar pra uma antepassado negro. Mas que o homem, com o sentimento de posse do corpo da mulher, sedento por ter um filho “macho” e branco, nunca vai querer um “pretim” vagabundo que veio ao mundo sem licença. E o homem é sempre o que tem completa liberdade de ser infiel, porque “é da natureza dele”, como se mulheres não tivessem desejo sexual algum, só fossem mais um oco para macho gozar dentro, e fossem obrigadas a seguirem sozinhas o pacto de monogamia que o casamento tradicional impõe. Porque o homem têm se espalhar seus genes, claro.


2019 parece um ano matematicamente alto, mas infelizmente vamos nos diminuir a 1964 e ver essas coisas com mais frequência, se não colocarmos o pé firme no chão e gritarmos BASTA! Ontem mesmo eu entrei num bar que tinha uma placa com os dizeres “Mulher é que nem macarrão. A gente enrola, enrola e come”. E o dono do bar ainda se sentiu muito ofendido por eu e minha amiga termos reclamado de forma não-violenta. É com muito cansaço que eu escrevo esse texto, pois estou exausta da imprensa tradicional piauiense. As caras são sempre as mesmas, um apoiando a podridão do outro. A imprensa alternativa tão não anda bem, mas é “só” um reflexo da sociedade contemporânea. Nas duas, há pessoas que resistem para se manterem integras e passarem conteúdo realmente educativo e informativo ao povo. Porém, nas redações dos meios de comunicação dessa cidade vivem dinossauros que expressam seu atraso todos os dias. É preciso dar chance pra quem pensa no novo e no livre. É preciso cotas para se infiltrar mensagens de quem não têm uma carga de preconceito tão forte. Ou se renovam os quadros e a mente das pessoas, ou o preto e a mulher vão ser sempre os que atendem a vontade e o delírio do homem branco e seus aliados que seguram o megafone.




*Aprendi esse ano que índio é um termo racista, pois remete ao pensamento colonizador que o Brasil era a Índia. Indígena é o termo correto para se referir a uma pessoa da raça original de um local, ou aborígene. Utilizei o termo exatamente por ver que o W. Dias se encaixa perfeitamente no padrão colonizado que o homem branco acha que o indígena deve se seguir.

Sobre o racismo e machismo da velha imprensa piauiense

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