Desserviço criado pelo cartunista Jota A, divulgado hoje no Jornal O Dia |
Tivemos que abrir um jornal e ver isso hoje. Se nós
estivéssemos vivendo num mundo coerente, seria óbvio que a divulgação de uma
tirinha de quinta categoria como essa seria inaceitável para circular em um
meio de comunicação estadual. Porém, em ano que se elegeu Bolsonaro, eu não me
surpreendo mais com a liberdade que as pessoas têm hoje em dia de serem
tóxicas, sem vergonha alguma de mostrarem seus preconceitos mais ultrapassados.
Direitos humanos para humanos direitos, sendo que direito é só quem se alinha
com o pensamento direitista.
Por não ser mais óbvio, vou me dar o trabalho de explicar
porque esse cartum é racista e machista. Primeiro, realmente deveria existir
cotas para tudo, porque se nem na ficção é admissível para um casal branco ter
um filho negro, imagine como é aqui fora (vou tratar da parte da “traição” a
seguir). Cotas são uma forma de dar uma chance ao povo negro numa sociedade
racista, que reproduz esse tipo de pensamento desse cartunista de pensamento
medieval. Dizer que todos têm chances iguais é ilusório. É só olhar quem está
nos cargos de poder na política, na imprensa, no direito, nos negócios. Maioria
gritante branca. E os negros, indígenas e outras raças que chegam a cargos
assim dificilmente lutam contra o racismo, negando completamente suas raízes. Senão
só vende sua cultura de forma oportunista e preconceituosa, como quem fez esse
cartum, que também é miscigenado. Ou como nosso querido governador indígena
adora fazer. Um índio* pra branco ver.
Num país de maioria negra, é no mínimo engraçado ver uma
tirinha que supõe que o negro tem que pedir licença pra nascer. Por cota. Só
mostra que o pensamento branco é o que domina, sendo reproduzindo pelas
minorias que sempre se diminuem ao papel de quem está ali de favor. Vai ser
muito difícil escurecer esse estado e esse país, se nós continuarmos a deixar
esses absurdos passarem sem o repúdio que merecem. E em um país tão
miscigenado, é possível, sim, que duas pessoas brancas tenham um filho negro.
Pode puxar pra uma antepassado negro. Mas que o homem, com o sentimento de
posse do corpo da mulher, sedento por ter um filho “macho” e branco, nunca vai
querer um “pretim” vagabundo que veio ao mundo sem licença. E o homem é sempre
o que tem completa liberdade de ser infiel, porque “é da natureza dele”, como
se mulheres não tivessem desejo sexual algum, só fossem mais um oco para macho
gozar dentro, e fossem obrigadas a seguirem sozinhas o pacto de monogamia que o
casamento tradicional impõe. Porque o homem têm se espalhar seus genes, claro.
2019 parece um ano matematicamente alto, mas infelizmente
vamos nos diminuir a 1964 e ver essas coisas com mais frequência, se não
colocarmos o pé firme no chão e gritarmos BASTA! Ontem mesmo eu entrei num bar
que tinha uma placa com os dizeres “Mulher é que nem macarrão. A gente enrola,
enrola e come”. E o dono do bar ainda se sentiu muito ofendido por eu e minha
amiga termos reclamado de forma não-violenta. É com muito cansaço que eu
escrevo esse texto, pois estou exausta da imprensa tradicional piauiense. As
caras são sempre as mesmas, um apoiando a podridão do outro. A imprensa
alternativa tão não anda bem, mas é “só” um reflexo da sociedade contemporânea.
Nas duas, há pessoas que resistem para se manterem integras e passarem conteúdo
realmente educativo e informativo ao povo. Porém, nas redações dos meios de
comunicação dessa cidade vivem dinossauros que expressam seu atraso todos os
dias. É preciso dar chance pra quem pensa no novo e no livre. É preciso cotas
para se infiltrar mensagens de quem não têm uma carga de preconceito tão forte.
Ou se renovam os quadros e a mente das pessoas, ou o preto e a mulher vão ser
sempre os que atendem a vontade e o delírio do homem branco e seus aliados que seguram o
megafone.
*Aprendi esse ano que índio é um termo racista, pois remete ao pensamento colonizador que o Brasil era a Índia. Indígena é o termo correto para se referir a uma pessoa da raça original de um local, ou aborígene. Utilizei o termo exatamente por ver que o W. Dias se encaixa perfeitamente no padrão colonizado que o homem branco acha que o indígena deve se seguir.